São Leão II, referindo-se às faltas de seu predecessor, Honório I, declarou que este, “em vez de purificar esta Igreja Apostólica, permitiu que a Imaculada fosse maculada por uma traição profana”. Canonizando Leão II, a Esposa de Cristo quis mostrar que a plenitude e a vivacidade da Fé são opostas à tolerância, composição e inércia em relação à heresia, tão frequentes em nossos dias.
Tenho a comentar duas notas a respeito de dois Santos que viveram a uma grande distância no tempo.
São Leão II, Papa, que aprovou as Atas do VI Concílio Ecumênico para condenar a falta daquele que, no dizer do Santo, “em vez de purificar esta Igreja Apostólica, permitiu que a Imaculada fosse maculada por uma traição profana”. Século VII.
Santo Irineu, Bispo. Deus deu-lhe a graça de destruir as heresias pela verdade da doutrina. Lutou contra os gnósticos. Século II.
Quando ouvimos falar em séculos II e VII, temos a impressão de que foram muito próximos um do outro, pois se perdem no nosso olhar e no rumo do tempo, formando uma coisa só. Entretanto, a distância cronológica que havia entre esses dois Santos é mais ou menos a que separa o Brasil do tempo de seu descobrimento e o de hoje. Então, compreende-se como esses Santos viveram distantes um do outro.
Ora, apesar dessa distância, ambos possuem um traço comum, consignado nessas pequenas notas: combateram a heresia, expulsaram os hereges de dentro da Igreja e vingaram a honra da Esposa de Cristo. Porque o herege dentro da Igreja maculava-a por sua presença. Por causa disso, a honra da Igreja exigia essa expulsão, impunha que o herege fosse posto fora, porque não pode haver coexistência pacífica, coabitação normal entre o bem e o mal, a verdade e o erro. Não pode haver em nenhum lugar, mas sobretudo dentro da Igreja Católica que é, por excelência, a montanha sagrada da verdade e do bem, que repele de si, horrorizada, aquele que dentro dela toma a defesa do erro e do mal.
Alguém poderia objetar: “Mas, afinal de contas, qual é o papel da misericórdia dentro disso?”
A Igreja tem muita misericórdia e não expulsa de si aquele que reconhece que anda mal, bate no peito e pede perdão por andar mal. Mas quem dentro da Igreja afirma que o bem é o mal e o mal é o bem, luta para disseminar o erro, a este ela expulsa horrorizada.
Isso por duas razões: primeiro, porque o herege perde as almas que estão dentro da Igreja. Em segundo lugar, por uma razão mais alta de heterogeneidade fundamental: a Santa Igreja é heterogênea com quem dissemina a heresia, e não pode suportar junto a si quem faz isso.
Em última análise, essa incompatibilidade está na própria natureza do princípio de contradição. Tudo aquilo que é vivaz, pelo próprio fato de ser vivaz, tem um horror àquilo que lhe é contrário e o repele com toda força e vivacidade.
Isso ocorre até no mundo animal. Um bicho que está na força de sua idade, ao se deparar com um fator contrário, reage violentamente. Por exemplo, um gato. Se uma mosca pousa em um gato cheio de vitalidade, ele espanta o inseto com violência. Mas se se trata de um gato velho, a mosca pousa nele, o incomoda, mas ele faz um gesto com negligência e com um mínimo esforço. Porque na medida em que o ser possui vivacidade tem horror àquilo que lhe é oposto.
Vejo neste gigantesco fenômeno sociopatológico, nessa insurreição universal dos homúnculos contra os que os sobrepujam, uma das causas do entreguismo do Ocidente. O homúnculo, o homem-saúva, detesta a luta mais do que tudo. Esta acarreta grandes esforços, só entusiasma as grandes almas, ocasiona a fulguração de grandes infortúnios. O homem-saúva luta, por isso, contra todas as formas de luta. Singular batalha que ele trava cedendo, fugindo – para baixo, bem entendido –, capitulando, deixando-se esmagar até, se não houver outra solução.
A esta família de almas pertencem os incondicionais do ecumenismo. Temendo o aceso das disputas entre as religiões, o homem-saúva quer fundir todas numa só panreligião, aliás mais ou menos ateia. Para o homem-saúva, todas as crenças e todas as descrenças devem confundir-se no mesmo ralo do ecumenismo.
Pela mesma razão, o homem-saúva está pronto a dar de barato sua pátria, como faz com suas crenças. O inimigo, ele prefere não o ver. Se é obrigado a vê-lo, imagina-o em vias de conversão, “desestalinizado”1, de face humana, transformado em pacato – e ambíguo… – socialismo.
Se o inimigo penetra nos setores políticos do país, ele lhe sorri e o rotula de “pra-frente” e “no vento”. Se se infiltra nos meios católicos, qualifica-o analogamente de “progressista”. Quando o inimigo cresce tanto que se torna ameaçador, o homem-saúva proclama irreversível o perigo, e tenta, como meio-termo, uma estratégia de “convergência”, inspirada no lema “vão-se os anéis e fiquem os dedos”. E, por fim, se o inimigo, depois de tomados os anéis, exige os dedos, o homem-saúva sussurra “vão-se os dedos e fique a vida”.
Mas todas essas concessões, o homem-saúva só as faz à esquerda. Toda a sua ação silenciosa e inexorável, de infiltração, de corrosão, de erosão, ele a faz na direita e no centro, onde costuma instalar-se. E então não cede, não foge, não converge, ele mina.
Por quê? Detestando tudo quanto é elevado, nobre e harmoniosamente desigual, para o homem-saúva, quanto mais igualdade melhor. E para uma igualdade totalmente rasa, totalmente plana, para lá vão seus anelos pacifistas. Rumo ao comunismo ou ao anarquismo.
Vivemos numa época de revolução. É banal dizer-se. Sim, da revolução dos homens-saúva contra tudo quanto tenha qualquer grandeza… v
Plinio Corrêa de Oliveira (Transcrito de A Folha de São Paulo, 11/7/1981)
Revista Dr Plinio 268 (Julho de 2020)
1) Sem os excessos de Stalin.
Email: editoraretornarei@gmail.com
Editora Retornarei © 2024. All rights reserved. Terms of use and Privacy Policy
Endereço da Administração:
Rua: Virgílio Rodrigues,66 – Tremembé
Cep: 02377-020 – São Paulo – Sp