A graça que habita a criança batizada

Quando a criança é batizada, torna-se templo do Espírito Santo. À medida que vai amadurecendo, Deus acompanha o desabrochar de sua inteligência, vontade e sensibilidade. Já nos primeiros lampejos da razão começa a existir algo da noção de culpa e a possibilidade de um pecado, pois ela já tem livre-arbítrio e responsabilidade moral. Inicia-se, então, certa luta dentro da criança, que é a batalha travada por Deus com o demônio.

Evidentemente, quando fui batizado eu não possuía consciência de mim mesmo, de maneira que não tenho a menor sombra de recordação do meu Batismo. Devo, como todas as crianças, ter chorado muito, e estou certo de que recebi a graça batismal porque todos a recebem quando são batizados. Isso é de Fé, de maneira que não tenho dúvida a esse respeito.

A felicidade do Limbo e a do Céu

A Doutrina Católica aconselha que a criança receba o sacramento do Batismo o mais cedo possível, entre outras razões porque pode acontecer que ela morra de um modo inopinado. Ainda que seja uma criança bem constituída e forte, ela pode falecer, por exemplo, devido a uma sufocação. E, se morrer sem ser batizada, não irá para o Céu, mas para o Limbo, que é um lugar de uma felicidade inteira, porém de segunda ordem.

Para termos ideia do que seja essa felicidade, imaginemos o seguinte: uma pessoa vai morar em Versailles, no melhor dos apartamentos, no auge do luxo, do conforto, da boa mesa, e privando com o rei continuamente. Essa pessoa pode-se dizer que reuniu em torno de si vários elementos de felicidade. Não é uma felicidade perfeita, porque na Terra ela não existe.

Mas podemos supor uma pessoa que, por desígnio de Deus, gozasse em Versailles de uma felicidade suprema: tivesse uma inteligência perfeita, uma vontade de ferro, uma sensibilidade muito proporcionada, harmoniosa, bem como todas as qualidades que tornam uma pessoa atraente e agradável. Ela seria, portanto, com exceção do rei, o centro da corte, que atrairia todo mundo em torno de si.

Havia pessoas assim tão apreciadas na corte que ultrapassavam o monarca. O Rei Luís XIV, por exemplo, tinha um primo relativamente próximo que possuía o dom da conversa fascinante; chamava-se Príncipe de Conti. Quando o Monarca estava numa sala e entrava esse Príncipe, pelo protocolo ele precisava dirigir-se ao Rei e fazer uma profunda reverência, à qual o soberano respondia com um cumprimento superior e mais discreto. E se o Rei não lhe dirigisse a palavra, ele ia para qualquer canto da sala a fim de conversar com outras pessoas. Em pouco tempo Luís XIV estava quase sem gente em torno de si, porque o Príncipe de Conti sabia conversar de tal modo que as pessoas deixavam simplesmente o Rei e iam ouvi-lo falar.

Uma das coisas que torna a nossa vida agradável é nos sentirmos agradáveis aos outros. O fato de as pessoas se regalarem com o Príncipe de Conti, desejarem e preferirem sua presença à do próprio “Rei Sol”, é mais do que ser Luís XIV, no meu modo de entender.

Esse ramo da família real era muito capaz. Os Conti construíram um castelo para eles próprios, a uma distância não muito grande do Palácio de Versailles. O castelo foi ficando tão bonito que Luís XIV mandou um recado: “Proíbo-lhes aumentar o castelo ou pôr enfeites, porque deixa Versailles na sombra.” Vemos assim como eles sabiam fazer as coisas.

Então, imaginemos um homem que, além de tudo quanto descrevi acima, tivesse o dom da conversa que o Príncipe de Conti possuía. Enfim, com um homem assim poder-se-ia imaginar um pouco o que seria a felicidade existente no Limbo.

Mas a felicidade do Céu deixa o Limbo a anos-luz de diferença, porque no Paraíso Celeste a pessoa vê face a face a Deus que é infinito e, por assim dizer, dialoga sem cessar com cada um dos habitantes do Céu. Então, é uma felicidade perfeita, infinita, que com nada se pode comparar.

Começa uma batalha no interior da criança

Não se pode, por relaxamento, adiar o Batismo. Compreendemos, portanto, que uma criança, logo que foi batizada até iniciar o uso da razão, não se lembre de nada. Embora seja um templo perfeito do Espírito Santo, ela não começou ainda a ter aquela consciência da graça que adquire à medida que for amadurecendo e compreendendo melhor esse dom divino.

Tal é o valor da graça que habita uma criança batizada, que houve um Santo – cujo nome não me lembro, e creio terem existido outros Santos que faziam isso –, o qual, encontrando uma criancinha recém-batizada, costumava osculá-la no peito, porque, dizia ele, era o tabernáculo do Espírito Santo.

À medida que a criança vai amadurecendo, Deus acompanha o desabrochar da inteligência dela, bem como de sua vontade e sensibilidade. Nos primeiros lampejos da razão, já começa a existir alguma coisa da noção de culpa ou não culpa. E como tal, a possibilidade de um pecado, pois ela já tem livre-arbítrio e responsabilidade moral.

Começa então certa batalha dentro da criança, que é a batalha travada por Deus com o demônio dentro de cada um de nós.

Digamos, por exemplo, que uma criança esteja brincando em seu quarto. Sua mãe, que é extremamente carinhosa, bondosa, entra no cômodo, mas a criança está com mais vontade de brincar do que receber as carícias da mãe. Notando que seu filho tem pouco desejo de estar com ela, a mãe agrada-o ainda mais para ver se o atrai.

A criança pode ter um pequeno ato de má vontade em relação à mãe, que é o ponto de partida de uma série de implicâncias que continuam até a morte.

Pelo contrário, se a criança se vence, passa os braços em torno do pescoço da mãe, diz: “Oh, mamãe!” e beija-a, ela quebrou em algo uma unha do demônio que este queria cravar nela.  E, desta forma, ela começou a tomar uma atitude enérgica contra seus próprios defeitos, que pode ir até o extremo da velhice. Portanto, nos primórdios da vida espiritual já está presente alguma coisa que puxa a pessoa para o bem ou para o mal. Em geral, se prestarmos atenção, notaremos que toda a vida da criança é cheia de coisas dessas.

Minha alma estava como que colada à alma de Dona Lucilia

Recordo-me de que, sendo criança, restabelecendo-me de uma enfermidade, certo dia o médico disse à minha mãe:

— Ele não está mais doente, mas deve ficar na cama para se preservar um pouco e recuperar forças – eu era um menino muito fraco. A senhora alimenta-o quanto puder, dê-lhe tais e tais remédios e amanhã ou depois ele estará bom. Mamãe ficou naturalmente contentíssima.

Em minha infância, acompanhei isso a ponto de poder contar pormenores; eu tinha minha alma por assim dizer colada na alma dela. Não eram raciocínios que eu fazia, mas agia razoavelmente.

Quer dizer, a retidão que o Batismo pôs em mim levava-me a querer o carinho de mamãe e a dedicar-me a ela como ela se dedicava a mim. Eu sentia uma alegria em estar com ela, como não tinha com ninguém. E, embora eu estivesse ainda abalado, se me dissessem: “Você ficando bom, Dona Lucilia vai fazer uma viagem”, eu preferia permanecer de cama me restabelecendo, e que ela não viajasse.

Nessas circunstâncias, havia uma porção de atos de carinho dela para comigo, aos quais de um modo geral – não a cada um deles – eu deveria corresponder com afeto amoroso. De maneira que quanto mais ela se dava, mais eu me entregava a ela e a união de nossas almas começasse perfeitamente nesta ocasião, embora eu fosse um menininho.

E posso dizer que se não andei perfeitamente – não me lembro de nenhuma falta, mas pode ter havido –, andei quase perfeitamente. Isso me ajudou muito a que, mais tarde, quando fui posto diante do fenômeno religioso na Igreja do Coração de Jesus, a minha alma estivesse retamente aberta para aceitar aquela temática, mais ou menos como uma planta que respira o ar bom e disso ela vive.

Essa retidão preparou uma retidão muito maior: diante do Sagrado Coração de Jesus, do Coração Imaculado de Maria, da Liturgia católica, da Missa, do órgão, da Santa Igreja. Assim, passo a passo, Nossa Senhora me ajudou e me dispôs de maneira a que eu chegasse a ser, melhor ou pior, quem sou hoje.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/6/1994)
Revista Dr Plinio 267 (Junho de 2020)

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